sexta-feira, 20 de março de 2009

Os sete pecados


Hoje tomei uma decisão importantíssima.


Tão importante, que com toda certeza meu destino, por ocasião da passagem desta para melhor, será em grande parte decidido após rigorosa análise de meus atos a partir desta tão marcante data.


Decidi simplesmente que a partir de hoje cometerei um pecado por dia. Sete são os pecados capitais, sete são os dias da semana, portanto, nada mais matematicamente tão conveniente.


Convém porém, antes que me amaldiçoem ou chamem-me por nomes indecorosos, esclarecer o leitor a respeito de minha sábia escolha.

Por mais incongruente que possa parecer, minha atitude foi motivada apenas e somente por respeito a Deus. Explico:

Sendo simpatizante da doutrina de Allan Kardec, que por sua vez prega a crença de que aquilo que nos mantém atrelados a este mundo são nossas imperfeições morais, e sendo estas mesmas crenças inspiradas por espíritos superiores conectados à Inteligência Maior, muito presunçosa seria minha modesta pessoa se por acaso viesse a duvidar ou questionar esses pressupostos.
Desta maneira, humildemente aceitando aquilo que minha despreparada consciência não consegue conceber, assumi que de jeito nenhum poderia ter a ousadia de sequer pensar em contrariar aqueles que possuem sabedoria infinitamente maior que a minha.
Portanto, neste memorável dia, começarei minha epopéia cometendo o pecado da gula, aliás, neste momento em que escrevo, já o cometi.
Comecei meu dia apreciando um excelente croissant, não um vulgar pão em forma de lua crescente, mas sim, um pequeno e saboroso folhado enrolado em manteiga de primeira qualidade, acompanhado de um excitante café expresso, o qual despertou-me completamente para o dia que estava se iniciando.
Após horas de intenso trabalho, quando a fome nos chama de volta à realidade terrena, coincidentemente veio parar a meus pés, trazido pelo vento, um folhetim anunciando uma nova rotisserie próxima ao meu local de trabalho.
Sendo fã incondicional da cozinha italiana, não vi neste evento outra coisa senão uma manifestação do Universo, que conspirava para manter-me firme em meu intento. Pois bem, vamos ao dito restaurante.
Qual não foi minha surpresa ao adentrar o recém-inaugurado estabelecimento, quando vi reunidos em um só lugar quase tudo aquilo que faz o delírio daqueles que são praticantes do segundo pecado! Estavam lá à mostra diversos tipos de massas caseiras, além de antepastos diversos e amostras dos mais finos vinhos.
Como sou, além de modesto, bastante ponderado e sábio em minhas decisões, pensei: "Vamos devagar, vamos pecar parcimoniosamente, assim nunca faltarão pretextos para desviarmo-nos do caminho reto"; escolhi então uma tentadora porção de ravioli recheado com camarões e catupiry, acompanhado de uma substanciosa salada verde, pão italiano e sardela, logicamente tudo isso regado à agua mineral gasosa, o elixir borbulhante da vida.
Bem, já tendo a minha frente o alvo de meu pecado diário, passei então à consumação do mesmo.
Após meu estômago haver decidido que eu já pecara o suficiente, chamei o garçom e solicitei a conta.
Confesso que quase não acreditei ao ler o valor escrito na comanda: "R$13,00"!
Não que seja particularmente adepto da pechincha, pois é sabido que normalmente qualidade e preço não andam de mãos dadas, mas surpreendi-me favoravelmente e proferi mais uma de minhas célebres frases: "Puta que o pariu, melhor que isso, só dois disso!".
Bem, não houve mais "disso", mas acabei sendo presenteado, a título de cortesia, talvez pela simpatia que demostrei ao proprietário do local ao tecer comentários elogiosos à qualidade da refeição servida, com um tablete do mais puro chocolate, iguaria essa que apreciarei mais à noite em companhia de amigos.
Cabe aqui uma pequena observação: após escrever estas linhas, percebi que talvez tenha cometido não apenas um, mas dois pecados neste dia; além da gula, fui vítima da soberba, pois acredito que tenha deixado aos leitores a impressão de que sou algo exigente em questões relativas ao paladar. Assumo que tudo isso é verdade.
Mas como Deus é perfeito, e tudo tende naturalmente ao equilíbrio, para compensar meus pecados neste dia, brindo a vocês com minha honestidade ao confessar-me um pecador, e aos meus amigos, com minha generosidade ao partilhar um chocolate que obtive de graça.

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