domingo, 13 de junho de 2010

O escritório


O Brasil é um país curioso: todos trabalham de roupa social, ou de terno e gravata, de preferência em um escritório asséptico pintado de branco, ou em workstations abastecidas com computadores de última geração.
O mais curioso de tudo isso é que, por exemplo, os carros, apesar de necessitarem de manutenção, ou eventualmente quebrarem, continuam andando; os apartamentos, flats e casas, apesar de estarem quase sempre vazios, pois todos os seus moradores trabalham (de preferência em algum escritório), continuam limpos, abastecidos e funcionais. Mistério. Parece-me que aqui existe alguma força sobrenatural que faz com que os carros sempre funcionem, as roupas se lavem, os canos se desentupam, a grama se apare. Seria obra do desconhecido?
Falando sério agora, tenho notado ultimamente que o escritório é o trabalho padrão dos brasileiros. Sim, pois nos comerciais do MCDonald's da vida, da mídia em geral, quando referem-se a "trabalho" sempre utilizam a imagem do "pessoal do escritório", como se os demais profissionais não existissem, mas fossem apenas aqueles que fazem aquilo que ninguém quer fazer. Bom, por pior que seja a tarefa, alguém tem de fazê-la. Isto lembra-me um diálogo entre um sargento e um recruta no livro "Jardins de pedra". Mais ou menos assim:

"Soldado - berra o sargento - você come as bichas?"
"Sim senhor" - responde o recruta.
"Por quê?" pergunta, indignado, o sargento
"Alguém tem de comê-las" - diz o recruta.

Sinceramente, amor próprio em excesso beira o narcisismo, mas por outro lado, a falta total gera humildade em excesso.
Humildade é coisa negativa, pois coloca a pessoa aquém do lugar merecido. Questão de justiça. Cada um tem seu lugar no mundo. Citando-se velhos filmes de cowboy, eis a clássica situação:
Numa carruagem viajam juntos um padre, uma dama, uma puta e um bêbado. Os dois últimos são párias da sociedade, e tanto o padre quanto a dama fazem questão de manterem-se à parte deles. Compreensível, pois se consideram de uma categoria superior.
Porém, eis que acontece repentinamente um ataque de índios hostis. A dama se encolhe junto ao padre, que começa desesperadamente a rezar para Deus (aquele que nunca aparece quando precisa-se Dele...). Para quem sobra o problema? Para o bêbado e a puta, que milagrosamente se entendem com os índios, pois compartilham a mesma sina: serem ignorados e excluídos socialmente.

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