quinta-feira, 5 de abril de 2012

O fim das sacolas plásticas


São paulo, 3 de Abril de 2012, início da proibição da distribuição das sacolas plásticas pelos supermercados.

Atitude válida, mas como tudo neste país é movido pelo interesse econômico, provavelmente não vai resultar em nada de benéfico. Posso antever daqui a pouco tempo uma invasão de sacolas "ecologicamente corretas" que de ecológico não têm nada.
Ontem estive no Wal Mart, supermercado que não aprecio, mas que acabei indo devido à falta de tempo e outros fatores limitantes.

Na fila do caixa havia um casal à minha frente, que passou as compras e havia esquecido as sacolas "ecológicas" em casa. O caixa sugeriu que adquirissem as sacolas vendidas pelo próprio estabelecimento, ao preço de R$0,50 cada uma; obviamente, o casal adquiriu duas, afinal de contas, R$1,00 a mais não faria diferença.....

Mas o que me chamou a atenção foi a qualidade de tal sacola. Claro, a espessura do plástico (?) é maior do que a de uma simples sacolinha comum, mas calculando-se grosseiramente, com o material empregado para a confecção de uma única sacola desse tipo daria para se fazer pelo menos 20 a 30 sacolas comuns. Mas fica bem longe do que se poderia chamar de produto durável. E também nunca vi algo proclamado "ecológico" ser feito de plástico, que como todos sabemos, é um material cujo processo de fabricação nada tem a ver com o meio ambiente.

Resumindo, creio que daqui a algum tempo a situação vai piorar se não forem estabelecidos alguns padrões sobre o que poderia ser considerado "ecológico". Uma sacola plástica de baixa qualidade e baixo custo fatalmente vai ser jogada fora mais dia menos dia. Além disso, por causa da falta de hábito as pessoas esquecem a sacola em casa, e acabam comprando outras no supermercado devido ao baixo custo, e assim o ciclo se repete a cada ida às compras. Mais cedo ou mais tarde, as sacolas vão se acumular e vão acabar sendo jogadas fora. A conclusão desse processo é óbvia.

Por isso digo e afirmo: sacolas realmente "ecológicas" devem ser feita de tecido, que é um material, digamos, menos artificial, e também as pessoas relutam mais em descartar algo feito de matéria mais "nobre".

Como eu já disse em posts anteriores: o conceito atual de "ecologicamente correto" é "logicamente incorreto". Tirem suas próprias conclusões.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

No futuro todo mundo vai ser chefe


Sério.
Com a atual proliferação de "Faculdades" cujo objetivo único é despachar o aluno com um diploma ao final do curso (nem que para isso tenha de facilitar ao máximo...), daqui a alguns anos só existirão chefes, supervisores e diretores; claro, afinal, estudar pra quê? Pra fazer serviço braçal ? Pra colocar a mão na massa? Argh, isso é coisa pra peão, não para alguém que tem DIPLOMA!

Lamentavelmente, tais "faculdades" são invadidas ano a ano por uma récua de analfabetos funcionais, cuja maior façanha acadêmica é conseguir ler um livro até o final (o que não significa que o tenha entendido). Mas nada disso importa, pois nesta era digital , nada mais coerente do que as pessoas também funcionem de modo análogo aos computadores, ou seja, através de menus.

Quer ser feliz? Clique aqui e siga as instruções; estude isto, pense desta maneira, tenha estas preferências, goste disto, não goste daquilo, fale desse modo, e pronto! Você pode dizer para todos agora: "EU SOU FELIZ!!!!"

Quer ter sucesso? Siga o menu; quer ter uma companhia? Siga as instruções.

Quase ninguém mais pensa por si mesmo. Adotam-se certos padrões impostos, e abracadabra! Tudo mais fácil e seguro.

Perfil da pessoa padrão:

-assiste Big Brother e gosta;
-quando está feliz grita: "Uhu!" (não pode ser outra palavra, tem de ser "uhu");
-usa o corte de cabelo que todos usam;
-gosta de músicas "que são sucesso";
-gosta de filmes "que são aclamados por todos";
-usa roupas que estão "na moda";
-enfim.....

Voltando ao assunto, recomendo a todos que fazem trabalhos braçais, ou que pelo menos não passem o dia com a bunda sentada numa escrivaninha, que aprimorem seu trabalho e orgulhem-se dele, além de exigirem a cada dia que passa que sejam valorizados, pois seus "chefes" certamente não irão querer fazer trabalho de peão, pois não estudaram para isso....

domingo, 13 de junho de 2010

O escritório


O Brasil é um país curioso: todos trabalham de roupa social, ou de terno e gravata, de preferência em um escritório asséptico pintado de branco, ou em workstations abastecidas com computadores de última geração.
O mais curioso de tudo isso é que, por exemplo, os carros, apesar de necessitarem de manutenção, ou eventualmente quebrarem, continuam andando; os apartamentos, flats e casas, apesar de estarem quase sempre vazios, pois todos os seus moradores trabalham (de preferência em algum escritório), continuam limpos, abastecidos e funcionais. Mistério. Parece-me que aqui existe alguma força sobrenatural que faz com que os carros sempre funcionem, as roupas se lavem, os canos se desentupam, a grama se apare. Seria obra do desconhecido?
Falando sério agora, tenho notado ultimamente que o escritório é o trabalho padrão dos brasileiros. Sim, pois nos comerciais do MCDonald's da vida, da mídia em geral, quando referem-se a "trabalho" sempre utilizam a imagem do "pessoal do escritório", como se os demais profissionais não existissem, mas fossem apenas aqueles que fazem aquilo que ninguém quer fazer. Bom, por pior que seja a tarefa, alguém tem de fazê-la. Isto lembra-me um diálogo entre um sargento e um recruta no livro "Jardins de pedra". Mais ou menos assim:

"Soldado - berra o sargento - você come as bichas?"
"Sim senhor" - responde o recruta.
"Por quê?" pergunta, indignado, o sargento
"Alguém tem de comê-las" - diz o recruta.

Sinceramente, amor próprio em excesso beira o narcisismo, mas por outro lado, a falta total gera humildade em excesso.
Humildade é coisa negativa, pois coloca a pessoa aquém do lugar merecido. Questão de justiça. Cada um tem seu lugar no mundo. Citando-se velhos filmes de cowboy, eis a clássica situação:
Numa carruagem viajam juntos um padre, uma dama, uma puta e um bêbado. Os dois últimos são párias da sociedade, e tanto o padre quanto a dama fazem questão de manterem-se à parte deles. Compreensível, pois se consideram de uma categoria superior.
Porém, eis que acontece repentinamente um ataque de índios hostis. A dama se encolhe junto ao padre, que começa desesperadamente a rezar para Deus (aquele que nunca aparece quando precisa-se Dele...). Para quem sobra o problema? Para o bêbado e a puta, que milagrosamente se entendem com os índios, pois compartilham a mesma sina: serem ignorados e excluídos socialmente.

Música eletrônica


Talvez seja melhor começar com a seguinte pergunta: o que é inteligência? Inicialmente, muitos acharão que a pergunta não tenha nada a ver com o título, mas com um pouco de paciência verão que as respostas à questão proposta facilitarão a compreensão de minha teoria.
Digo teoria porque pode e deve ser submetida à análise, pois considero um ato de bom senso e inteligência não acreditarmos em qualquer coisa que nos é dita sem primeiro observarmos a outra face da moeda. Vamos deixar então de prolixismos e ir direto ao ponto.

Em minha opinião, a assim dita inteligência humana abrange vários aspectos, os quais enumerarei os principais:

1) Clareza, que é a capacidade de analisar e compreender os fatos, mesmo que sob uma ótica particular. Natural, já que pressupõe-se que a verdade seja individual.

2) Capacidade de adaptação; já foi dito que a inteligência, em termos simples, é a capacidade de acharmos soluções para os problemas que nos são apresentados utilizando-se os recursos disponíveis. Logicamente, conclui-se que quando nos defrontamos com problemas já vivenciados, nossa inteligência em conjunto com a memória resolve as questões propostas mais rapidamente do que as resolveríamos por ocasião do primeiro enfrentamento. Qualquer coisa diferente desta afirmação denota falta de inteligência e/ou memória.

Tendo-se em vista tais pressupostos, posso dizer que quanto mais inteligente o indivíduo for, menor número de vezes o mesmo problema terá de repetir-se até que o sujeito assimile completamente a solução do enigma. Em português claro: quem não é burro aprende de primeira.
Nesta altura, o leitor pode perguntar: "OK, mas onde é que a música eletrônica entra nesta história?" Explicarei.
A característica mais marcante da música eletrônica é a repetição exaustiva de batidas e ritmos hipnóticos, termos estes inclusive usados por aqueles que se vangloriam de serem "os papas da música eletrônica".
Pois bem, após esta descrição, conclui-se naturalmente que a preferência por "música" desta espécie denota falta de inteligência e/ou memória por parte do apreciador do gênero.
A falta de inteligência aparece no próprio caráter da música: repetições exaustivas, que somente à custa de força bruta (levando-se em consideração os tons extremamente graves das batidas) consegue incutir algo semelhante à compreensão no cérebro do ouvinte. Neste ponto, nada mais genial do que o termo "bate-estaca" para definir este ritmo. A analogia é perfeita, já que um bate-estacas somente alcança seu objetivo através do uso da força bruta.
Consequentemente, a necessidade de repetição pressupõe memória fraca, volátil, ou com dificuldade de acesso. Quaisquer dessas características depõe contra o ouvinte de tal espécie de som.
Nesse aspecto, a música eletrônica nada difere dos atabaques ou tambores dos primitivos indígenas ou aborígenes. Muda-se a forma, mas a essência permanece imutável. Não é à toa que hoje em dia é comum designar-se alguém ou um grupo como pertencente a alguma "tribo".
Seguindo-se este princípio, então aproximamo-nos cada vez mais dos coletivos como "cardume", ou "enxame", nos quais a principal característica é o nivelamento de todos os indivíduos do grupo, o que torna neste caso sem sentido o termo "indivíduo".

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Vila Madalena: um pseudo-universo


Conhecida pela intensa vida noturna e também por ser reduto de intelectuais e artistas de todas as espécies, a Vila Madalena, ao longo dos últimos anos tornou-se irreconhecível para aqueles que a conhecem há muito tempo, nascidos ou não no local.

Quando digo há muito tempo, refiro-me a um período de aproximadamente 30 anos atrás, na época em que seus habitantes e personagens faziam a imagem do bairro, e não o oposto, que é justamente o que ocorre hoje em dia.

Naqueles velhos tempos, a personalidade da Vila era consequência natural do modo de vida de seus habitantes, que por motivos variados por lá aportaram em algum momento; artistas, músicos, hippies, gente atrás de um pouco de sossego e opções alternativas de vida. Aliás, naquela época nem existia a palavra "alternativa" no sentido que é usada hoje em dia, que significa atualmente "aquilo que ninguém gosta, mas aqueles que se dizem alternativos afirmam gostar, só para se declararem diferentes".

Ora, neste ridículo esforço para parecerem diferentes, os ditos alternativos atuais, também conhecidos como "da Vila", acabaram formando uma tribo que em nada difere daqueles outros que são considerados por eles como "povão". Claro, os que se consideram "da Vila" são mais descolados, intelectuais, conhecem tudo que o povão ignora, julgam pertencerem a uma classe especial que aprecia coisas que só são compreensíveis por uma minoria genial, e que os outros não passam de simples desmiolados que gostam do que todo mundo gosta, ou seja, não têm personalidade.

Acontece porém, que consciente ou inconscientemente, ao criarem uma espécie de "griffe" comportamental, os que se dizem "da Vila" igualaram-se àqueles que desprezam, apenas mudou-se a roupagem.

O que é mais patético do que ouvir um típico diálogo de um representante da Vila?



"Você já ouviu o último CD do Antonino Aparecido Cruz Credo da Conceição? Aquilo sim que é música!"

"Nossa, demais, põe no chinelo qualquer cantorzinho tipo esses aí que tocam na rádio."

"Pois é, mas fazer o quê, o povão ainda não está preparado para apreciar um artista desse nível, coitadinhos!"



O mais engraçado de tudo isso é que geralmente um artista cultuado pela elite Vila-Madalenense é um pseudo-artista fracassado, mas a culpa não é dele, e sim, do povo, que não possui neurônios suficientes para compreender tão elevada forma de expressão artística. Curiosamente, isto geralmente é afirmado pelas mesmas pessoas que dizem que o artista e a arte pertencem ao povo.

Obviamente que existem diferenças entre manifestações culturais; é praticamente unanimidade que não se pode comparar uma sinfonia de Beethoven com as músicas do Genival Lacerda. A primeira é fruto de pensamentos e aspirações elevadas, que transcendem o espírito humano, enquanto a segunda é apenas um reflexo de sentimentos mais próximos do instinto de perpetuação da espécie do que qualquer outra coisa.

Serei sincero: não gosto das músicas do Roberto Carlos, não porque não sejam boas, afinal, tudo aquilo que cumpre a finalidade para a qual foi feita pode ser considerada boa, e neste quesito Roberto Carlos é insuperável. Apenas não me agradam manifestações melosas de paixão, mas isso não me impede de respeitá-lo como artista, e declaro que ele merece estar aonde está, pois ele é realmente bom.
Acho extremamente hilariante uma suposta elite intelectual dizer gostar de coisas que ninguém mais gosta apenas para se auto-endeusarem e colocarem-se num pedestal inacessível para aqueles que não são iniciados na genialidade artística só encontrada naqueles que são "da Vila". O povo é uma besta e eles são os eleitos. Mas ainda algum habitante "da Vila" há de falar em alto e bom som, com uma expressão entediada bem característica:

"Toda unanimidade é burra."

Sim. Inclusive aquela que considera Machado de Assis um grande escritor, Al Pacino um irretocável ator, Da Vinci uma mente brilhante muito além de seu tempo. Totalmente compreensível.
Afinal de contas, nenhum deles são "da Vila Madalena."

sábado, 18 de julho de 2009

A crise é a causa da crise


Naquela cidade, todos viviam uma vida tranquila e sem surpresas, a não ser aquelas normais na existência da maioria das pessoas; a namorada que engravida inesperadamente, um acidente, um carro furtado, e vários outros que grande parte de nós já conhece, ou por ter vivenciado, ou por saber de alguém que já passou por algo semelhante.
Era uma segunda feira normal, preguiçosa, e continuaria assim se uma notícia nos jornais não deixasse pelo menos metade da população com a pulga atrás da orelha:

"Crise ameaça tomar conta do país"

"Crise? Como assim? - perguntava a pequena aglomeração em frente a vitrine da loja de revistas.
"Sei lá, deve ser alguma coisa relacionada a dinheiro, finanças, essas coisas todas que são um mistério para a maioria de nós" - disse um dos que estavam postados defronte a loja.
"Mas se é coisa que mexe com nosso dinheiro, acho melhor a gente procurar saber melhor do que se trata" - falou outra pessoa.
"Credo, mexer no meu dinheirinho suado? Nem pensar!"
"Virgem santa, acho que o melhor, por via das dúvidas, é nem mexer mesmo no dinheiro, vai saber se essa tal de crise pega todo mundo de calças curtas, hein?"
"Isso mesmo, enquanto não sabemos o que está havendo, o melhor a fazer é procurarmos não gastar, sabe como é...prudência nunca fez mal a ninguém..."

Aquela segunda feira seria lembrada anos após como "Aquela maldita segunda".

Fora essa notícia inquietante, tudo correu como deveria correr naquela semana, a não ser por alguns detalhes curiosos.
Curiosamente, o supermercado da cidade vendeu naquela semana, segundo estimativas do gerente do mesmo, cerca de 20% menos. Não era ilusão, afinal aquelas peças de carne, além das frutas, verduras e demais gêneros que se deterioraram por terem sobrado eram bem reais. O que fazer então? Óbvio, comprar menos do fornecedor, afinal de contas, tomar prejuízo em plena crise...ah, a tal "crise" que ninguém sabia o que era e nem de onde veio...
Sexta feira, 19:00h, a maioria dos comerciantes se encontrava no bar de costume para a "happy hour". O dono da padaria chegou, e logo avistou o gerente do supermercado sentado na mesa mais ao fundo, com uma expressão preocupada no rosto:

"Boa noite, que cara é essa, Seu Tonico?"
"Nem me fale, nem me fale...perdi muita mercadoria esta semana, Seu Jorge. Tive de jogar fora mais de cem quilos de carne e outro tanto de legumes e verduras."
"Caramba, mas o que acontece?"
"Sei lá, parece que o povo todo está de regime, ninguém compra mais nada...levam o essencial e olha lá, quem comprava dois quilos de feijão só levou um..."
"Então eu não errei nas minhas contas, esta semana me sobraram dois sacos de farinha, cheguei até a pensar que o padeiro estava fazendo pães menores" - disse Seu Jorge.
Naquele momento, chegava o mecânico; sentou-se defronte aos dois homens e pediu, como de costume, uma cerveja e uma dose de cachaça.
"Bartolomeu, vai me dizer também que esta semana não foi boa para você também..." - falou Seu Tonico.
"Ruim, ruim, até que não foi, mas poderia ter sido melhor. Tem gente andando a pé pra não ter de gastar com o carro."

Conversas assim repetiram-se, com pequenas variações, pela cidade inteira naquela noite.

E assim foram-se passando os dias, as semanas, os meses, ninguém comprava, consequentemente ninguém vendia; estabelecimentos comerciais fechavam as portas, arrastando consigo os fornecedores e produtores, dependentes lógicos das vendas ao consumidor. Com isso, cada dia fazia-se maior e mais assustadora a sombra do desemprego, com todas as suas horríveis consequências: fome, violência, desânimo e descrença geral.

Aquela cidadezinha, outrora próspera, agora não passava de uma aglomeração na qual via-se na fisionomia carrancuda e assustada dos seus habitantes o mais terrível e paralisante inimigo do homem: o medo.

Medo da pobreza, medo da violência, medo da falta de trabalho.

Esse estado de espírito geral refletia-se no aspecto da cidade; praças públicas, antes sítios aprazíveis, onde as crianças divertiam-se livremente sob o olhar zeloso porém tranquilo dos pais, transformaram-se em lugares horrendos nos quais a sujeira e o descuido eram regra, e os pequenos não mais se atreviam a brincar nas gangorras e balanços semi destruídos, menos por receio de um acidente do que de um assalto.

Aquela cidade chegara ao fundo do poço. Tudo isso por culpa da crise.

Mas, como diz a sabedoria popular, o lado bom de chegarmos ao fundo do poço é que não nos resta outra alternativa a não ser tentar ir para cima novamente. Alguém pensou assim, e inconformado com a situação, resolveu dar férias ao medo, pois de certa maneira, não mais fazia sentido temer qualquer coisa, afinal, tudo aquilo que era mais temido já havia acontecido mesmo.
Estando a mente desocupada do importuno hospedeiro chamado medo, que suga praticamente todas as energias do cérebro tal e qual um asqueroso carrapato psíquico, pode então a inteligência do homem manifestar-se e raciocinar logicamente, pois as consequências da tal crise foram lógicas, e somente pensando-se igualmente com clareza e lógica poderia-se atinar com a causa da desgraçada situação e arquitetar-se um plano de ações eficazes para resolverem-se os problemas causadores do infortúnio geral.

Chamemos esse alguém, na falta de melhor nome, de "O Pensador"

Sentando no banco da praça, com o sol aquecendo suas costas, a primeira coisa que veio à cabeça do Pensador foi a seguinte pergunta, a primeira dentre várias que seguiram-se naquele diálogo consigo mesmo:

" Afinal de contas, o que é a crise?"
"Ora, neste caso, é a falta de dinheiro, dinheiro este que serve para satisfazermos nossas necessidades pessoais, utilizando-o para adquirir bens tais como: alimentos, roupas, calçados."
"Mas o que acontece se eu não comprar, ou comprar menos do que necessito?"
"A resposta é lógica: em primeiro lugar, me ressentirei da falta daquilo que necessito e não adquiro, portanto minha qualidade de vida decairá. Em segundo lugar, sofrerá um declínio também a vida do comerciante, pois o mesmo não terá saldo suficiente para saldar as mercadorias que adquiriu do produtor, que consequentemente também não conseguirá arcar com os custos de sua produção"
"Quer dizer que o consumidor é o elo mais importante neste processo?"
"Sem dúvida. Se o consumidor não compra, o comerciante não vende, e logicamente o produtor não vende também; para tentar não ir à falência, tanto um como outro terão de cortar custos: diminuir o consumo de eletricidade, de água, e também o número de empregados, ocasionando o tão temido desemprego."
"Então, o consumidor é indiretamente reponsável pelo desemprego?"
"Sim e não. No caso do cliente ou clientes propositadamente diminuirem o volume de compras com o intuito de levar à falência o comerciante, os mesmos podem ser considerados culpados. Mas neste caso, o que levou à diminuição das compras não foi a livre vontade dos consumidores, mas sim, o medo da crise."
"Mas de onde veio este medo?"
"De uma notícia no jornal."
"Teria por acaso esta notícia aparecido do nada?"
"Certamente que não."
"Raciocinando-se, somente consigo imaginar que esta notícia poderia ter sido colocada unicamente por alguém que tenha interesse em que as pessoas não gastem seu dinheiro, ou seja, mantenham-o na conta bancária; não me sai da cabeça que esta tal de crise é coisa de banqueiro. Mas de que serve ao banqueiro o dinheiro empatado, parado na conta?"
"Simples. Quando surgiu o primeiro banco, seu proprietário assim dizia: -Se você tem medo de ser roubado, deixe seu dinheiro conosco, mediante o pagamento de uma pequena taxa, nós tomaremos conta dele para você. Possuímos guardas armados dia e noite, durma tranquilo enquanto vigiamos seu dinheiro."
"Ainda não entendi..."
"Chegaremos lá. Como naquela época eram muito mais frequentes os roubos e assaltos, os bancos tinham sob sua custódia quantidades cada vez maiores de dinheiro cujos donos mantinham-no lá o máximo de tempo possível, somente retirando a quantia estritamente precisa para suas necessidades mais urgentes."
"Entendo, o banqueiro ganha mais quanto maior a quantidade de dinheiro por ele guardada. Mas mesmo cobrando uma taxa proporcional à quantia guardada, em caso de um assalto, o dono do banco não poderia ir à falência?"
"Claro, mas um belo dia um banqueiro esperto teve uma grande idéia, e pensou assim: -Já que a maioria das pessoas prefere manter suas economias guardadas aqui em meu banco, bem que eu poderia utilizar o dinheiro delas para comprar mercadorias e revendê-las com lucro. A vantagem é que, além de não precisar utilizar dinheiro meu para tal empresa, ainda ficarei com os lucros das transações, aumentando o meu patrimônio particular, e em breve serei um homem rico! E ainda por cima, se meu banco for assaltado, terei uma reserva para indenizar aqueles que sofrerem prejuízo!"
"Então agora as coisas começaram a ficar claras para mim!"
"Exatamente. Para um dono de banco, o que interessa é que os clientes mantenham lá o seu dinheiro o maior tempo possível. Nem que tenham de inventar uma suposta crise para conseguir seu intento. Afinal de contas, a sua sobrevivência depende da aplicação do dinheiro alheio."
"Mas, o que acontece com aqueles que por não conseguirem honrar seus compromissos com seus devedores pediram empréstimo aos bancos? Se aos banqueiros interessa manter o dinheiro lá dentro, então emprestar, isto é, retirar dinheiro do banco não vai contra os interesses deles?"
"Sim, mas para isso inventaram os juros, que são, ou deveriam ser, uma compensação que o que toma emprestado deve pagar àquele que empresta, de forma a cobrir o que o banco ganharia se o mesmo utilizasse a quantia emprestada para, digamos, comprar maçãs e revendê-las com lucro."
"Todavia, conheço alguns comerciantes que pediram empréstimo ao banco e pagaram quantias que chegam ao dobro do que foi emprestado."
"Tem razão. Eis justamente a razão de em plena crise serem justamente os bancos as empresas que mais crescem. Como são justamente eles os donos do dinheiro, dinheiro alheio dos correntistas diga-se de passagem, então impingem uma espécie de ditadura: -Se quiserem dinheiro emprestado, tem de ser à minha maneira!"
"Entendi. Os bancos inventam uma crise com o intuito de fazer com que as pessoas mantenham lá seu dinheiro, e em consequência disto, o comércio em geral vai se apertando, e para não falir, recorrem aos empréstimos, e lá vai o banco a ganhar novamente mais ainda..."
"Perfeito. Os bancos causam a doença, e também vendem o remédio. Só que é um remédio vendido exclusivamente pelo próprio banco, e que ainda por cima não cura a enfermidade, ao contrário, deixa o desgraçado organismo cada vez mais fraco de maneira que fique mais sujeito a novas doenças, que precisarão de mais remédios que não curam, e tudo gira assim numa roda que não tem mais fim."
"Malditos sejam! Não terá cura por acaso essa doença?"
"Tem sim. Como na maioria dos casos, melhor do que curar-se é evitar ficar doente."
"Como fazer isto?"
"Simples. Já chegamos à conclusão que a falência do comércio e dos produtores é consequência lógica da diminuição de suas vendas, e que o consumidor é o elo mais importante."
"Sim, continue."
"Você se lembra daquela maldita segunda feira? Acredito que naquele dia ninguém estava sem emprego, e nem tinha o salário diminuído. Por que então aquele medo todo de usar o dinheiro? Medo da crise?"
"Tem razão. Fomos todos vítimas do medo, só de ouvir falar na tal crise enfiamos a cabeça no buraco tal qual fazem as avestruzes, ao invés de mantermos os olhos abertos para ver de onde vinha o real perigo."
"Então, por mais que venham notícias de crise, não deixem de comprar aquilo que necessitam. Não digo esbanjar, isto é, comprar mais coisas que necessitam, mas sim, comprarem o que realmente precisam, pois o dinheiro precisa circular, é o sangue da economia, cada vez que deixo de adquirir o que preciso e posso adquirir, alguém vai sofrer as consequências; destas, acho que não preciso falar, pois você já sentiu na carne o que pode acontecer. Não deixe o dinheiro parado na conta do banco, não o esbanje, mas sim, utilize-o, ele é seu, é fruto de seu trabalho, é justo que ele trabalhe para você, e não para aqueles que vivem da exploração da miséria criada por eles mesmos.
"Mas, por outro lado, se eu quiser guardar dinheiro para comprar algo mais caro futuramente, seria errado então colocar o dinheiro na poupança?"
"Veja bem, nada errado há em poupar, mas pense bem: se você coloca determinada quantia, digamos, $100,00 na caderneta de poupança, quanto você terá ao término de um mês?"
"Bem, deixe-me lembrar...acho que em torno de 1% a mais, se chegar a isso, então terei $101,00."
"Certo, agora lhe pergunto: se você pegar os mesmos $100,00 e comprar, por exemplo, 50Kg. de maçãs a $2,00 o Kg., e revendê-las a $2,50 o Kg., você terá então $125,00, muito mais do que a poupança lhe paga, e provavelmente num prazo muito menor, nem é preciso esperar um mês! Além disso, ao comprar produtos do produtor, ainda o estará ajudando."
"É bem real isto. Agora lembrei-me de que um certo conhecido meu precisou fazer um empréstimo no banco do qual era correntista. Sabe quanto cobraram-lhe de juros? Mais ou menos 5% ao mês! Quer dizer, quando você põe o dinheiro na poupança, isto é, empresta suas economias ao banco, eles pagam somente 1% ao mês na melhor das hipóteses. Já quando a situação se inverte, você tem de lhes pagar no mínimo 5% ao mês. Que grande negócio!"
"Excelentíssimo negócio, não é à toa que os bancos são as empresas mais prósperas do país!"
"Se todos fizerem isto, a quantia de dinheiro nos bancos não vai diminuir?"
"Claro que sim, assim como também diminuirá a quantidade de empréstimos solicitados aos bancos, pois quando o comerciante ganha bem, consequência lógica dos consumidores estarem gastando normalmente, não terá ele a necessidade de contrair empréstimos de instituições vampirescas, comprará também cada vez mais do produtor, que em virtude da quantidade cada vez maior adquirida pelo comerciante, baixará seus preços, e se o dono do estabelecimento for consciente e honesto, repassará este desconto aos seus clientes, que então comprarão ainda mais e assim todos prosperarão."
"Então acha que os bancos devam extinguir-se?"
"Veja bem, não acho que exista nada de ruim nos serviços bancários, o que existe de negativo é o abuso cometido, que consiste em criar uma situação na qual praticamente obriga-se o infeliz sujeito a tomar o amargo remédio que não cura, e mantê-lo nesta situação humilhante e degradante somente em benefício de uma minoria. Não há nada de mal em ter-se lucro, desde que esse lucro não venha à custa do sofrimento e desespero alheio. O crédito é necessário, grande parte do desenvolvimento de uma nação depende dele, mas quando esse crédito passa a ser escravidão a interesses exclusivos de alguns, então todo e qualquer benefício para a sociedade que poderia originar-se deste crédito anula-se. Por exemplo, se um médico obtém crédito para montar uma clínica em uma pequena cidade, mas ao mesmo tempo vê-se obrigado a destinar quase todo seus recebimentos para saldar as dívidas oriundas de um financiamento extorsivo, esse mesmo médico trabalhará exaustivamente somente para não ficar inadimplente, sendo obrigado forçosamente a desviar sua missão da finalidade principal, que seria com o tempo aumentar sua clínica, ou adquirir mais e melhores equipamentos de maneira a atender mais e melhor seus pacientes, que é a finalidade última de um médico. Na verdade, estará trabalhando para o banco, e não para a população. Multiplique-se esta situação por mil, ou um milhão de casos separados, e terá então o motivo verdadeiro da má situação da nação."
"Fantástico, a coisa explicada assim fica clara, ao contrário daquela linguagem cheia de palavreado técnico que os economistas falam na TV, e mais confunde do que esclarece"


"Sr. Prefeito, Sr Prefeito, acorde, já são quase oito horas!"

A secretária batia na porta do gabinete, pois havia visto o automóvel do prefeito em frente ao prédio e certamente ele havia novamente adormecido em cima da mesa de trabalho.

Com um sobressalto, o prefeito daquela pequena cidade despertou de seu sonho, por instantes permaneceu confuso naquele estranho estado que é o limiar entre o sonho e a realidade, porém logo já se achava de pé e senhor de seus pensamentos.

"Meu Deus, que sonho! Se não me acordassem, não sei quando iria terminar aquela história da tal crise! Estaria mentindo se disser que tudo aquilo que sonhei não me impressionou até o fundo da alma!"

O prefeito estava em seu gabinete desde a noite anterior, a fim de dar uma espiada em alguns documentos que havia esquecido lá e lembrara-se à última hora. Havia sentado-se em sua mesa, colocado uma música relaxante enquanto remexia e relia alguns papéis, e nesse meio tempo, devido ao cansaço acumulado durante a semana, acabara adormecendo e sonhado ali mesmo.
Já com o sono espantado para longe de si, abriu a janela, que dava para a praça principal da cidade, de onde se avistava do outro lado a loja de revistas; qual não foi sua surpresa quando reparou numa multidão que se aglomerava junto à vitrine da loja.
Com o coração batendo descompassadamente, lavou o rosto, e foi praticamente correndo que chegou à loja no outro lado da praça. Abrindo caminho na multidão, ficou face a face com o jornal que trazia estampada na primeira página a notícia que foi o motivo de tamanha aglomeração:

"Rita Cadillac fará show no Ginásio Desportivo amanhã às 21:00h"

Uma onda de alívio passou pela sua cabeça. Virou-se e voltou à sede da Prefeitura, sorrindo e caminhando calmamente. Os transeuntes que ali passavam entreolharam-se espantados; um deles falou:
"Não sabia que o prefeito era assim tão fã da Rita Cadillac, olha só o jeito que ele veio correndo pra ver o jornal! E ainda saiu com um sorriso deste tamanho!"













quarta-feira, 1 de julho de 2009

País dos milionários


Por esses dias, ao ligar a TV no horário matutino, deparo-me com o programa da Ana Maria Braga, do qual participava o educador financeiro Mauro Calil. O tema da palestra era "como administrar seus gastos", e o palestrante afirmava que deveríamos contar sempre como se dispuséssemos somente de 70% do total dos nossos ganhos.
Como exemplo, supôs-se que num total de "R$20.000,00, deveríamos somente dispor de R$14.000,00, e o restante ficaria como reserva", a fim de que a possibilidade de ficarmos endividados fosse mínima; raciocínio correto, mas convenhamos, um tanto irreal face à realidade de um país no qual aquele que ganha acima de R$1500,00 mensais está dentro da "elite" daqueles considerados ricos.
Falando em termos realistas, quem ganha aqui no Brasil R$20.000,00 por mês só fica endividado em poucas situações:

1) Quer ter um nível de vida igual ao Ronaldo fenômeno;

2) Tem uma família composta de: Marido, mulher, doze filhos, três cunhados, duas tias e uma avó, vivendo todos eles à custa do marido e/ou esposa;

3) Faz questão de coisas inúteis (bolsas da Louis Vuitton, Ferrari na garagem, passar todas as férias de Julho na Europa, etc..

Não sou contra o conforto, muito menos contra algumas extravagâncias ocasionais, pois afinal de contas a vida não é só comer, beber e dormir.

Falo isso porque ficou-me no cérebro a nítida impressão de que a TV, de maneiras indiretas, cuida inteligentemente de manter o grosso da população eternamente insatisfeita, e para conseguir esse intento, mascara a realidade, distorcendo padrões.

Fala-se em ganhar R$20.000,00 como se fosse uma quantia mediana, módica até, dessa maneira fazendo com que aqueles que ganham um salário considerado "na média" envergonhem-se do fato. Daí para o exercício do consumismo é um pulo; já que não podem ganhar tanto como desejam, que pelo menos pareçam ter um nível de vida que absolutamente não têm condições de bancar, e para isso dá-lhe griffes da moda, marcas famosas e mais coisas do mesmo gênero.